segunda-feira, 23 de abril de 2012

OCULTOS - A insígnia da estrela nas trevas




... Abayomi corria pelo quarto, se arrastando pelas paredes, acuada como uma presa fugindo de um predador dentro da jaula, subindo e descendo dos obstáculos, cama, criado mudo, pufe, tropeçando e caindo algumas vezes. – Afaste-se, saia de perto de mim. – Ela gritava enquanto corria. Cortes nos braços e no colo escoavam filetes de sangue grosso, licoroso, ensopando as poucas peças de roupa que vestia, apenas a parte de cima de um pijama de cetim rendado e uma calcinha de lycra branca. – Afaste-se, vá embora... – Ela ordenava incisiva para o vazio do quarto. Os músculos retesados de quem se contrai de pavor. O rosto negro, sempre tão bonito e bem cuidado, o cabelo tão bem arrumado com seus cachos grossos definidos, agora eram retratos do pavor da mulher, pele oleosa, cabelos arrepiados e jogados sobre o rosto desfigurado.
O cheiro do sangue misturado ao suor da mãe enjoou Zarina, enquanto tentava acalma-la mais uma vez. - Não tem ninguém aqui mamãe. – Estendeu os braços tentando abraça-la, mas Abayomi se esquivou.
- Eles estão perto, muito perto, muito perto... – Repetia sem parar, com os olhos arregalados, como se enxergasse algo muito ruim.
Os olhos redondos como duas pérolas negras opacas e profundas como a noite pareciam querer expor o horror que apenas Abayomi via. A boca carnuda com os lábios secos estava entreaberta adaptando-se à respiração acelerada, deixando à mostra dentes perfeitamente brancos e alinhados, mas trincados pelo pânico. A pirâmide nasal, ladeada por narinas absurdamente infladas desfigurava a simetria do rosto alongado e magro da mulher, que mantinha aquela trajetória de agonia e medo.
- Quem está chegando mamãe? – Zarina conversava, tentando parecer meiga, tranqüila, sem nenhum sucesso.
- São eles, os Obayifo, os seres das sombras, eles estão vindo, fuja, fuja.
- Isso não existe mamãe, esses seres são frutos da sua imaginação.
- Você não entende. – Abayomi segurou o rosto da filha com força e a encarou. - Temos que nos proteger, eles estão vindo, estão perto, cada vez mais perto, cada vez mais perto.
Os olhos arregalados da mulher giravam de um lado para o outro, amedrontados, ou mais do que isso, alucinados. Zarina desejou saber que tipo de criatura a mãe estava enxergando, quais as alucinações que a atormentavam dessa vez. Pensou que gostaria de enxergar o mesmo naquele momento para ver se era capaz de ajudar. Abayomi voltou a circular pelo quarto, resmungando alguma prece desconhecida, algo em uma língua que Zarina jamais ouvira e que nem sabia que a mãe falava.

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