... Abayomi corria pelo
quarto, se arrastando pelas paredes, acuada como uma presa fugindo de um
predador dentro da jaula, subindo e descendo dos obstáculos, cama, criado mudo,
pufe, tropeçando e caindo algumas vezes. – Afaste-se,
saia de perto de mim. – Ela gritava enquanto corria. Cortes nos braços e no
colo escoavam filetes de sangue grosso, licoroso, ensopando as poucas peças de
roupa que vestia, apenas a parte de cima de um pijama de cetim rendado e uma
calcinha de lycra branca. – Afaste-se, vá
embora... – Ela ordenava incisiva para o vazio do quarto. Os músculos
retesados de quem se contrai de pavor. O rosto negro, sempre tão bonito e bem
cuidado, o cabelo tão bem arrumado com seus cachos grossos definidos, agora
eram retratos do pavor da mulher, pele oleosa, cabelos arrepiados e jogados
sobre o rosto desfigurado.
O cheiro do sangue
misturado ao suor da mãe enjoou Zarina, enquanto tentava acalma-la mais uma
vez. - Não tem ninguém aqui mamãe. – Estendeu os braços tentando abraça-la, mas
Abayomi se esquivou.
- Eles estão perto, muito
perto, muito perto... – Repetia sem parar, com os olhos arregalados, como se
enxergasse algo muito ruim.
Os olhos redondos como
duas pérolas negras opacas e profundas como a noite pareciam querer expor o
horror que apenas Abayomi via. A boca carnuda com os lábios secos estava
entreaberta adaptando-se à respiração acelerada, deixando à mostra dentes
perfeitamente brancos e alinhados, mas trincados pelo pânico. A pirâmide nasal,
ladeada por narinas absurdamente infladas desfigurava a simetria do rosto
alongado e magro da mulher, que mantinha aquela trajetória de agonia e medo.
- Quem está chegando
mamãe? – Zarina conversava, tentando parecer meiga, tranqüila, sem nenhum
sucesso.
- São eles, os Obayifo, os seres das sombras, eles estão
vindo, fuja, fuja.
- Isso não existe mamãe,
esses seres são frutos da sua imaginação.
- Você não entende. –
Abayomi segurou o rosto da filha com força e a encarou. - Temos que nos
proteger, eles estão vindo, estão perto, cada vez mais perto, cada vez mais
perto.
Os olhos arregalados da
mulher giravam de um lado para o outro, amedrontados, ou mais do que isso,
alucinados. Zarina desejou saber que tipo de criatura a mãe estava enxergando,
quais as alucinações que a atormentavam dessa vez. Pensou que gostaria de
enxergar o mesmo naquele momento para ver se era capaz de ajudar. Abayomi
voltou a circular pelo quarto, resmungando alguma prece desconhecida, algo em
uma língua que Zarina jamais ouvira e que nem sabia que a mãe falava.
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